Tenho um curso superior: é normal exercer uma profissão que exige um nível de escolaridade mais baixo?

O QUE É A SOBREQUALIFICAÇÃO?

Considera-se que um trabalhador é sobrequalificado se tiver qualificações acima das que são consideradas necessárias ou solicitadas para o exercício da sua profissão.

Existem diferentes formas de medir este desajustamento entre educação e emprego. Uma delas é a percentagem de jovens adultos, dos 25 aos 34 anos, que tenham completado um grau do ensino superior, mas trabalhem em profissões que, à partida, não requerem esse grau de escolaridade.

De acordo com a Classificação Portuguesa de Profissões, estas profissões são as das categorias:

_Pessoal administrativo (CITP 4)

_Trabalhadores dos serviços pessoais, de proteção e segurança e vendedores (CITP 5)

_Agricultores e trabalhadores qualificados da agricultura, pesca e floresta (CITP 6)

_Trabalhadores qualificados da indústria, construção e artífices (CITP 7)

_Operadores de instalações e máquinas e trabalhadores de montagem (CITP 8)

_Trabalhadores não qualificados (CITP 9)

Em 2019, este fenómeno atingia cerca de 21,5% da população empregada entre os 25 e os 34 anos. Ou seja, cerca de 1 em cada 5 trabalhadores com ensino superior nesta faixa etária trabalham em profissões que exigem níveis de escolaridade mais baixos. A sobrequalificação dos trabalhadores portugueses entre os 25 e 34 anos afeta mais as mulheres (24,1%) do que os homens (17,3%).

CERCA DE 1 EM CADA 5 TRABALHADORES COM ENSINO SUPERIOR ENTRE OS 25 E OS 34, TRABALHAM EM PROFISSÕES QUE EXIGEM NÍVEIS DE ESCOLARIDADE MAIS BAIXOS

PORQUÊ ANALISAR A SOBREQUALIFICAÇÃO?

A sobrequalificação sinaliza que o mercado de trabalho não está a absorver ou não tem necessidade das competências adquiridas por parte dos diplomados, com implicações negativas a diferentes níveis.

De facto, a sobrequalificação está normalmente associada a uma penalização salarial, ou seja, os trabalhadores sobrequalificados têm tendência a receber menos do que os trabalhadores com as mesmas qualificações que trabalham em profissões adequadas ao seu nível de escolaridade. Além disso, também há evidência que trabalhadores sobrequalificados têm menores níveis de satisfação com o trabalho e menos oportunidades de formação e de progresso na carreira.


Assim, este fenómeno traduz-se numa enorme perda de retorno do investimento individual e nacional feito em educação, com consequente subaproveitamento e depreciação das competências recentemente adquiridas, limitando o potencial de progresso do talento nacional.

COMO É QUE PORTUGAL COMPARA COM A UNIÃO EUROPEIA?

Neste indicador de sobrequalificação, Portugal situa-se abaixo da média da União Europeia, onde 24,7% dos trabalhadores dos 25 aos 34 anos são sobrequalificados (Fonte: Cedefop).

Na União Europeia, este fenómeno é menos incidente no Luxemburgo, com apenas 9,7% dos trabalhadores sobrequalificados, e atinge mais a Grécia, com 48% de trabalhadores do ensino superior a trabalhar em ocupações que não o exigem.

Apesar da posição de Portugal ser favorável face à média europeia, há que salientar o aumento substancial resgistado neste indicador ao longo dos últimos anos.

De facto, em 2011, Portugal registava 18% de trabalhadores sobrequalificados e estava 6 pontos percentuais abaixo da média europeia, tendo este gap diminuído para metade em 2019.

Parece assim ser mais difícil encontrar um trabalho adequado às qualificações nos últimos anos.

Sobrequalificação de diplomados entre os 25 e 34 anos (%)

FONTE: CEDEFOP

SOBREQUALIFICAÇÃO E ÁREAS DE FORMAÇÃO

Uma das possíveis razões para o aumento da sobrequalificação é o aumento dos níveis de qualificação dos jovens portugueses verificado nos últimos anos. De facto, em 2010, 25,5% dos portugueses entre os 25 e os 34 anos tinham completado um grau do ensino superior em 2010, sendo o mesmo valor em 2019 de 37,4%.

Este aumento de qualificações, indiscutivelmente positivo, pode estar associado à sobrequalificação dependendo das áreas de formação em que se qualificam.

De facto, o risco de sobrequalificação varia de forma muito substancial entre áreas de formação do ensino superior, evidente nos dados dos trabalhadores do setor privado em Portugal.

A taxa de sobrequalificação entre os trabalhadores entre os 25 e os 34 anos no setor privado em Portugal é de 30,9%, tendo aumentado 6 pontos percentuais desde 2010. A desagregação deste indicador por área de formação do ensino superior revela enormes diferenças.

Taxa de sobrequalificação por área de formação do ensino superior (média entre 2010-2018)

FONTE: QUADROS DE PESSOAL, BF/FJN1
Parte da sobrequalificação resulta certamente da escolha deliberada das pessoas que também pesam outros fatores na sua escolha, tais como a localização do emprego, o equilíbrio entre família e emprego, entre outros.

No entanto, em termos agregados, as diferenças da taxa de sobrequailificação entre áreas de formação sugerem um excesso de diplomados face à procura pelo mercado de trabalho. Este é particularmente o caso das seguintes áreas de formação, que têm pelo menos quatro em cada dez diplomados a trabalharem em ocupações menos qualificadas:

_Ciências sociais e do comportamento

_Direito

_Ciências empresariais

_Informação e jornalismo

_Humanidades

_Serviços sociais

SOBREQUALIFICAÇÃO E CRISE ECONÓMICA: O QUE ESPERAR NO FUTURO?

Outra razão provável para o aumento da taxa de sobrequalificação em Portugal na última década é a crise económica que lhe precedeu.

De facto, há evidência que diplomar-se e transitar para o mercado de trabalho durante períodos de recessão económica aumenta a probabilidade de sobrequalificação e afeta de forma negativa o progresso na carreira dos diplomados. Adicionalmente, a sobrequalificação atinge de forma mais pronunciada quem transita da educação para o mercado de trabalho ou quem retorna ao mercado de trabalho depois de períodos no desemprego ou de inatividade.

Assim, é provável que este fenómeno aumente nos próximos anos como resultado da crise pandémica e da crise económica que a acompanha. É mais provável que os diplomados aceitem um trabalho para o qual são sobrequalificados como forma de entrada no mercado de trabalho e garantir uma fonte de rendimento.

Para aqueles que consideram prosseguir a sua formação ou fazer um reskill, importa ter em consideração que algumas áreas de formação estão mais associadas a este fenómeno.

1MÉDIA A TAXA DE QUALIFICAÇÃO POR ÁREA DE FORMAÇÃO ENTRE OS ANOS DE 2010 E 2018. AS ÁREAS DE FORMAÇÃO “SERVIÇOS DE TRANSPORTE” E “SERVIÇOS DE SEGURANÇA” NÃO SÃO REPORTADAS POR TEREM POUCOS TRABALHADORES NO SETOR PRIVADO.
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